terça-feira, 22 de setembro de 2020

EMOÇÃO – Adalberto de Queiroz

Vivia de escrever difícil e até ilegível,
Rabiscos sem uso, brilho ou serventia.
Seu sonho: escrever claramente fluído.

À noite a palavra disparava na mente;
Sem retoques: a mão incontida sobre
A página em branco: sem máquina
Ativa; sem teclado, tabuinha – hieróglifo.

Nu feito santo ao desabrigo do frio.

Um brilho novo a cada capítulo.
Uma resenha a cada canto – épico:
Um herói novo recriado sem pranto.
De dia, era outra história. A espremer
O cérebro vazio, alma no corpo retida.

Ausente do corpo a alma tem sentido?

Se da página escapa luz, eis o desatino.
Acontece ao vivente – já não se sabe
Do morto se general ou diplomata;
Se pedreiro ou arquiteto; sabe-se
Que não passa de um corpo vazio
De sentido ou história; de música,
Artimanhas, blague, ou obra de serventia.

Assim é a escrita do século perdido:
Nublada a clareza do pensar, vira búzio
Oco; nuvem negra, névoa que obnubila.

Nenhum comentário:

Postar um comentário