segunda-feira, 14 de setembro de 2020

CANTO DOS SINAIS – Nathan Alterman

 

Tradução de Cecília Meireles
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Esta noite um pássaro gritou amargura
como se viessem arrebatar-lhe a alma.
Voou da tua mão esta noite o espelho,
teu vestido esta noite rasgou-se em luto
e contrariada te sentaste para cerzir o rasgão,
e eis que o sangue manchou tua agulha.
Não abras teu coração aos sinais.
Que o medo não arda em teus olhos.
Pois os sinais anunciarão o bem,
pois é a alegria que bate às portas
pois eles não são para ti mas para teus carrascos.
Minha filha, se os cães uivam na cidade
não é sinal de que um anjo passa pela cidade.

Minha filha, se um anjo passa pela cidade
não é sinal de que haverá luto na cidade.
Pois olhos se acenderão, filha,
e céus cintilarão, filha,
e anos passarão, filha.
E os grandes sinais se manifestarão,
e não terão mentido os sinais,
humildes e pobres se alegrarão,
pois é a alegria que bate às portas.
Eu sofro, sofro por teu coração amargo,
como se voltassem a arrebatar-me a alma.
Eu, que não tenho sonho, que não tenho luz,
sonhei-te pesadelo no fim da caverna;
ao despertar, teu sorriso despedaçado brilhava,
e em tua mão o sangue tinha manchado a agulha.
Pois a linguagem dos sinais é clara,
e ei-la diante dos meus olhos e dos teus.
Não é o bem que os sinais anunciarão,
não é a alegria que bate às portas,
pois ela não é para ti mas para teus carrascos.
Minha filha, se uivam cães na cidade,
não é sinal que um anjo passa pela cidade.
Minha filha, se um anjo passa pela cidade,
não é sinal de que se morrerá como tu na cidade.

Que os teus ombros se preparem, filha,
pois ainda não acabou, filha,
e até o fim não terá piedade, filha,
e virá um sinal, o último, filha.
Bebe nosso cálice até as fezes.
Essa é a nossa sorte – suportar os sinais.
Tu, minha única! Sê forte e corajosa!
Não é a alegria que bate às portas.

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