quinta-feira, 8 de maio de 2014

A partida - Augusto Frederico Schmidt

Quero morrer de noite -
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Quero morrer de noite.
Irei me separando aos poucos,
Me desligando devagar.
A luz das velas envolverá meu rosto lívido.

Quero morrer de noite
As janelas abertas.
Tuas mãos chegarão aos meus lábios
Um pouco de água.
E os meus olhos beberão
a luz triste dos teus olhos.
Os que virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Aos poucos me verei pequenino de novo,
muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá
um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará
um grande dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu
rolará numa estrada...

Quero morrer de noite -
As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe de tudo,
para bem longe de tudo.
E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais volverei
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.

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