I
Desci
ao reino das palavras
Em
busca dos versos para fazer um poema.
Surpreendentemente
elas se esconderam
E
surgiram em seu lugar três carcereiros mascarados
Eles
me jogaram numa masmorra fria e escura.
De
nada adiantaram meus apelos, meus gritos,
Tiraram
a minha roupa e em minhas mãos
Deixaram
apenas meus sapatos velhos
Como
se com eles eu pudesse escrever.
II
Depois
eles se foram deixando somente o silêncio
Aos
poucos fui me dissolvendo na ausência da luz
Em
pouco tempo eu era apenas uma sombra.
Colei-me
na parede fria da masmorra
E
senti-a pulsar como um coração humano.
De
repente meus sapatos começaram a andar
Mas
apenas lhe ouvia as pisadas.
Então
no meio das trevas o poema explodiu:
III
“Calcei teus sapatos porque este chão é sagrado,
Tirei tuas roupas para que sejas livre,
Dei-te as trevas para conheceres a verdade
Pois o essencial é invisível aos olhos.
Qual a finalidade da tua busca pelas palavras
Se não és capaz de entender o silêncio?
Ah! Pobre poeta, onde deixaste o cordão
Que guiará os teus passos no caminho da volta?”
IV
“Antecipaste a tua morte descendo neste reino
Com a esperança de ressuscitar no terceiro dia
E espalhar ao mundo as boas novas da poesia,
Mas esqueceste de colocar as luvas de sonho
Porque só assim se colhe as pérolas poéticas.
Não ouses perturbar o sono das meninas
Pois ainda não chegou a hora da colheita.
Vem, senta ao meu lado e escuta:”
V
“Em primeiro lugar eu te escolhi entre os mortais
Para tornar eterna a obra das tuas mãos
Existem milhares de nós, já prontos e disponíveis,
Basta possuir um harém no coração
E a capacidade de derivar a equação do amor.
E assim descobrireis a poesia escondida nos túmulos,
Nos recantos dos embriagados, sob o manto da noite,
Entre as prostitutas e os amantes proibidos.”
VI
“Em segundo lugar
Eu conheço cada parte do teu ser,
Pois antes de nascer navegavas sobre meus ombros
Fui menino contigo e te aninhei na solidão,
Fui teu consolo quando uma mulher te abandonou
Juntos deciframos enigmas e defloramos flores e mentes
Arquitetamos armadilhas infalíveis
E recolhemos o néctar invisível das mulheres ávidas.”
VII
“Em terceiro lugar
Não sabes que é privilégio da poesia penetrar
No impenetrável e reconectar veredas
Para que os sonhos nunca se apaguem?”
VIII
“Quando o céu escurece
E os homens sem alma se erguem como zumbis
A procura de carne,
Quando explode nas ruas o homem bomba
Se imolando pelos deuses inoperantes,
Quando garras de aço estrangulam crianças,
Quando as multidões jogam suas esperanças no homem de
barro,
Quando a mulher se espraia na alcova sequiosa e perfumada,
Quando o marinheiro joga no mar as lágrimas de uma saudade
Sabei então que é chegada nossa hora.”
IX
“Nós violamos as regras e somos aplaudidos
Porque viver é mais do que sentir,
Chorar é mais do que sorrir
Cantar é mais do que morrer.
Não sabes que a noite é uma amante fiel?
Sob seu manto se abriga a loucura lúcida
Seus braços são longos para os abraços,
Seus dedos são vagalumes a procura da chave
Que abre a porta do imaginável.”
X
Mas
eu só queria um poema para minha amada,
Consegui
balbuciar no meio da escuridão
Um
rugido feroz ecoou por todo reino
Não
sei se saía de mim ou vinha do chão
Ouvi
as portas da masmorra se abrirem,
As
trevas desapareceram e elas surgiram radiosas
Uma
a uma foram se apresentando,
Lépidas,
lânguidas, límpidas, lúcidas.
XI
A
uma só voz gritaram por todo reino:
“Salve! Salve! Ainda resta um poeta no mundo”.
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