terça-feira, 6 de julho de 2021

TRÊS SONETOS – Francisca Júlia

 

NOTURNO

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
se arrasta em direção ao negro cemitério...
à frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
chora no ar o rumor de um misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
da noite se ilumina ao resplendor da lua...
uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
noites, acima dele, em silêncio, flutua
o lausperene mudo e súplice das almas.
........................
NATUREZA

Um contínuo voejar de moscas e de abelhas
agita os ares de um rumor de asas medrosas;
a Natureza ri pelas bocas vermelhas
tanto das flores más como das boas rosas.

Por contraste, hás de ouvir em noites tenebrosas
o grito dos chacais e o pranto das ovelhas,
brados de desespero e frases amorosas
pronunciadas, a medo, à concha das orelhas...

Ó Natureza, ó Mãe pérfida! tu, que crias,
na longa sucessão das noites e dos dias,
tanto aborto, que se transforma e se renova,

quando meu pobre corpo estiver sepultado,
mãe! transforma-o também num chorão recurvado
para dar sombra fresca à minha própria cova.
...............................
INVERNO

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
o ar enchiam de sons e queixas misteriosas!

Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
mexiam-se, de manso, ao resfolego brando
da brisa que passava em tudo derramando
o perfume sutil dos cravos e das rosas...

Mas veio o inverno; a vida e amor foram-se em breve...
o ar se encheu de rumor e de uivos desolados...
as árvores do campo, enroupadas de neve,

sob o látego atroz da invernia que corta,
são esqueletos que, de braços levantados,
vão pedindo socorro à primavera morta.

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