I
Vaníssima,
na brevidade dos espelhos,
braço do abismo onde regresso.
A mesma face, a mesma noite,
e da primitiva água
fixam-se enormíssimas bocas.
As águas gorgolejam, olham.
E dessas portas soerguem-se máscaras
afundadas e de olhos plagiados
pelos quais o visgo relinchou,
incendiou convulso os cabelos.
Enquanto os olhos batejavam,
das entranhas saíam flores,
um nó ofegante e deles,
eriçados, cavalos ungidos sibilam.
Éguas de bocas e relvas
fendem tamas e rajas pelos poros.
Sinos resistem, uivos domados
sobre as frontes, já despidos,
põem cogumelos e se lambem.
II
Com desdém a roda gira.
A carne se abre em fendas,
}cascas dissolventes, braços estanques:
o dia e a noite tinham as pernas
estiradas sobre estribos.
O doido o chicote dardejava.
Depois estugava.
Logo uma pausa de estupor.
Depois vozes, amplidão de pêlos
e além: há dias e noites de olhos
germinados, de narinas que se incham.
E vão juntos
até estorcerem, moverem convulsivamente
a luz e o escuro onde colados:
o dia esguichava lavas;
a noite esgueirava breu.
III
Sobre o silêncio
éguas de lágrimas, olhos gordurosos
e línguas enganadoras
pelas crinas desceram atraídas.
Pisam pedras; alongam sempre
e eternamente suas bocas.
Em sal que é água, roucas descidas:
sabem que não é noite-,
sabem que não é dia.
E pedem a palavra para não serem
confundidas com mais e mais cavalos.
Um tisnado espirra, rói,
outros batem asas, cristas,
cascos e formam círculos de cânticos.
Patas sobre patas
ardentes vergam as crinas.
Em brasa que é fome,
cascos contra cascos
pendem, descem rinchos.
E mil vezes sobem à noite.
Porém de sua boca, por fim,
muito ocultamente,
sabem que não é noite;
E da imagem contemplada
sobem vozes roucas do ar,
asas fumegantes, veludosas,
brasas, águas e nuvens sem vozes.
IV
Face atrás da face,
suntuoso lodaçal,
berço ou útero?
Lá está o nada,
o intangível, e irrompe,
no hálito cuja voz
repousas, abismo,
uma garganta.
A linguagem e dela mesma,
à proporção que a voz recua,
a noite e o dia
que escondes entre os cabelos.
Todavia uma concha cobre o poema
e respinga ungida no gargalo
cujas mãos atadas ancoravam garrafas
claras, escuras, mas, além da ilusão,
no interior dos olhos brancos,
num profundo esvai-se o tempo.
No seu bico imenso, espessas noites.
Na mesma face, em reveses tão agudos,
há as crinas... os mares...
As plantas e os cabelos dormem.
Nas noites furam o véu.
E o laço branco é como o dia.
V
No limbo liso, Vaníssima,
contemplei demoradamente
as pedras, além dos olhos.
Ali no amplo sem fim.
Olhei várias vezes
e várias vezes voltei só.
Inclinei-me para solver o vazio.
E como num rito:
a poesia tinha a cor dessas pérolas,
que a água não limpa,
que o sol não reflete
no olhar de quem olha,
olha e murcha no olho,
a água de sal, um chafariz
liso em que, ocultamente,
miram-se garrafas friíssimas
ou pedras encantadas.
VI
No vidro que é só lua
sob a vidraça, em suas noites,
no seu rumor ao vento,
numa face; os cristais
desnudassem essas máscaras
de crianças que, nos olhos adultos,
os olhos femininos insinuam.
A contrapelo, numa outra margem,
enquanto os olhos esculpiam,
na mesma proporção,
uma imagem dela e muito feminina.
A lua jogou espadas dessas chaves frias.
E canta, canta num pêndulo torcido
cujas imagens debruçam vestes femininas.
VII
Às vezes vidros, vidros
e relógios de rosários.
Ante a face refrangida,
o som dos cascos...
e as mortes corrosivas nas gengivas.
Outras vezes, sem repouso,
nas conchas de Deus,
suas bocas de urina,
cujos óvulos, consoantes sopros,
transpassam num ovo inaugural:
umbigos adormecidos que, enleados
sob as águas, arrastam pérolas,
infensas pedras e delas me visto,
e delas me alimento.
VIII
Mas eram, esculpidas sob fímbrias
femininas, desde a eternidade,
dessas bocas de urina.
E, sobre mim, por um instante,
tocaram o céu e a terra.
E tinham as vozes e os silêncios
das cidades Descalvadas,
no entanto, estavam sobre mim
bocas fermentadas batendo.
Mas eram bocas intermináveis
daquelas de cujas mãos só refulgem,
sob a vidraça descida,
fronte de prata em que range
uma fome sem saber por que...
Vaníssima,
na brevidade dos espelhos,
braço do abismo onde regresso.
A mesma face, a mesma noite,
e da primitiva água
fixam-se enormíssimas bocas.
As águas gorgolejam, olham.
E dessas portas soerguem-se máscaras
afundadas e de olhos plagiados
pelos quais o visgo relinchou,
incendiou convulso os cabelos.
Enquanto os olhos batejavam,
das entranhas saíam flores,
um nó ofegante e deles,
eriçados, cavalos ungidos sibilam.
Éguas de bocas e relvas
fendem tamas e rajas pelos poros.
Sinos resistem, uivos domados
sobre as frontes, já despidos,
põem cogumelos e se lambem.
II
Com desdém a roda gira.
A carne se abre em fendas,
}cascas dissolventes, braços estanques:
o dia e a noite tinham as pernas
estiradas sobre estribos.
O doido o chicote dardejava.
Depois estugava.
Logo uma pausa de estupor.
Depois vozes, amplidão de pêlos
e além: há dias e noites de olhos
germinados, de narinas que se incham.
E vão juntos
até estorcerem, moverem convulsivamente
a luz e o escuro onde colados:
o dia esguichava lavas;
a noite esgueirava breu.
III
Sobre o silêncio
éguas de lágrimas, olhos gordurosos
e línguas enganadoras
pelas crinas desceram atraídas.
Pisam pedras; alongam sempre
e eternamente suas bocas.
Em sal que é água, roucas descidas:
sabem que não é noite-,
sabem que não é dia.
E pedem a palavra para não serem
confundidas com mais e mais cavalos.
Um tisnado espirra, rói,
outros batem asas, cristas,
cascos e formam círculos de cânticos.
Patas sobre patas
ardentes vergam as crinas.
Em brasa que é fome,
cascos contra cascos
pendem, descem rinchos.
E mil vezes sobem à noite.
Porém de sua boca, por fim,
muito ocultamente,
sabem que não é noite;
E da imagem contemplada
sobem vozes roucas do ar,
asas fumegantes, veludosas,
brasas, águas e nuvens sem vozes.
IV
Face atrás da face,
suntuoso lodaçal,
berço ou útero?
Lá está o nada,
o intangível, e irrompe,
no hálito cuja voz
repousas, abismo,
uma garganta.
A linguagem e dela mesma,
à proporção que a voz recua,
a noite e o dia
que escondes entre os cabelos.
Todavia uma concha cobre o poema
e respinga ungida no gargalo
cujas mãos atadas ancoravam garrafas
claras, escuras, mas, além da ilusão,
no interior dos olhos brancos,
num profundo esvai-se o tempo.
No seu bico imenso, espessas noites.
Na mesma face, em reveses tão agudos,
há as crinas... os mares...
As plantas e os cabelos dormem.
Nas noites furam o véu.
E o laço branco é como o dia.
V
No limbo liso, Vaníssima,
contemplei demoradamente
as pedras, além dos olhos.
Ali no amplo sem fim.
Olhei várias vezes
e várias vezes voltei só.
Inclinei-me para solver o vazio.
E como num rito:
a poesia tinha a cor dessas pérolas,
que a água não limpa,
que o sol não reflete
no olhar de quem olha,
olha e murcha no olho,
a água de sal, um chafariz
liso em que, ocultamente,
miram-se garrafas friíssimas
ou pedras encantadas.
VI
No vidro que é só lua
sob a vidraça, em suas noites,
no seu rumor ao vento,
numa face; os cristais
desnudassem essas máscaras
de crianças que, nos olhos adultos,
os olhos femininos insinuam.
A contrapelo, numa outra margem,
enquanto os olhos esculpiam,
na mesma proporção,
uma imagem dela e muito feminina.
A lua jogou espadas dessas chaves frias.
E canta, canta num pêndulo torcido
cujas imagens debruçam vestes femininas.
VII
Às vezes vidros, vidros
e relógios de rosários.
Ante a face refrangida,
o som dos cascos...
e as mortes corrosivas nas gengivas.
Outras vezes, sem repouso,
nas conchas de Deus,
suas bocas de urina,
cujos óvulos, consoantes sopros,
transpassam num ovo inaugural:
umbigos adormecidos que, enleados
sob as águas, arrastam pérolas,
infensas pedras e delas me visto,
e delas me alimento.
VIII
Mas eram, esculpidas sob fímbrias
femininas, desde a eternidade,
dessas bocas de urina.
E, sobre mim, por um instante,
tocaram o céu e a terra.
E tinham as vozes e os silêncios
das cidades Descalvadas,
no entanto, estavam sobre mim
bocas fermentadas batendo.
Mas eram bocas intermináveis
daquelas de cujas mãos só refulgem,
sob a vidraça descida,
fronte de prata em que range
uma fome sem saber por que...
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