terça-feira, 20 de julho de 2021

CONTRA A MORTE - Gonzalo Rojas

Tradução de Fabiano Calixto
......
Arranco-me as visões e os olhos a cada dia que passa.
Não quero – não posso!
– Ver morrerem os homens a cada dia.
Prefiro ser pedra, ser treva,
a suportar o asco de abrandar-me
por dentro e sorrir
a torto e a direito
para prosperar em meu negócio.

Não tenho outro negócio
senão estar aqui dizendo a verdade
no meio da rua e a todos os ventos:
a verdade de estar vivo, unicamente vivo,
com o pés na terra
e o esqueleto livre neste mundo.

O que queremos disso de saltar
de até o sol com nossas máquinas
à velocidade do pensamento.
Demônios! O que queremos
com o voar além do infinito
se continuamos morrendo
sem esperança alguma de viver
fora do tempo das trevas?

Deus não me serve.
Ninguém me serve para nada.
Porém respiro. E como. E até durmo
pensando que faltam uns dez ou vinte anos para ir-me
de bruços, como todos,
a dormir sob dois metros de cimento.

Não choro – não mesmo!
Tudo há de ser como deve ser,
porém, não posso ver caixões e mais caixões
passarem, passarem, passarem, a cada minuto
cheios de algo, recheados de algo, não posso ver
ainda quente o sangue nos caixões.

Toco esta rosa, beijo as pétalas, adoro
a vida, não me canso de amar as mulheres
– alimento-me
de gerar o mundo nelas. Porém, tudo é inútil!
Pois eu mesmo sou uma cabeça inútil
pronta para ser cortada por não entender o que é isso
de esperar outro mundo deste mundo.

Falam-me do Deus ou da História. Rio-me
de irem buscar tão longe a explicação da fome
que me devora, a fome de viver como o sol
na graça do ar, eternamente.

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