sexta-feira, 4 de junho de 2021

ROMANCE DOS PECADOS DO POETA – Elson Farias

 

Os pássaros, os canteiros
cedo acordam com os coros,
luz plantada sobre os córregos
na chácara frente à casa.

Vendedores apregoando
cruzam com os automóveis,
levam nos seus tabuleiros
bananas, mangas, laranjas.

Uma palavra à cabeça
logo lhe sobe, sem graça,
gotejada de sinistras
notações, é o pecado.

Não a manhã com os coros
dos pássaros apesar
da fina chuva que cai
em todo mês de novembro.

O pecado da poesia,
os desacertos do poeta,
a luta para captar
a verdade das imagens,

o pecado de forjar
nas manhãs outra manhã,
e querer mudar o ritmo
do caminho das criaturas,

a teimosa gratuidade
de malhar em ferro frio,
a larva tirar da lama,
da canção da guerra, a paz.

Pecado de desejar
a palavra, que rebenta
com os bichos das caieiras
dos costumes diários, limpa.

Pecado de trabalhar
sem sujar as mãos e as unhas,
sem se mostrar no trabalho
aos irmãos, amigos, todos.

Pecado mortal do poeta
a poesia desdenhada
pelos pássaros em coro
na chácara frente à casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário