segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

FUNERAL – Martins D’Alvarez

 

Dentro da noite,
num marche-marche,
cortando a fita
da estrada clara
os homens seguem,
num marche-marche,
levando a rede
pro cemitério.
Dentro da rede,
se embalançando,
bambo e curvado
como um presunto,
como um presunto
dentro de um saco,
se embalançando
vai o defunto.

E a voz dos homens,
de quando em quando,
fere a dormência
das horas calmas,
num vago apelo
cheio de angústia:
– vinde ajudar-nos,
Irmãos das Almas!

Punhos atados
à longa estaca
que os homens levam
suspensa aos ombros,
a rede segue
para a cidade,
leva o defunto
para o "sagrado".
Grilos vigiam
dentro do mato.
Sapos responsam
na escuridão.
E o vento reza,
nas folhas secas,
singelos Atos
de Contrição.

E a voz dos homens
sobe na noite
com o louco anseio
de mãos espalmas,
mãos que aflitivas
pedem socorro:
– Vinde ajudar-nos,
Irmãos das Almas!

A rede passa
suspensa em ombros,
se embalançando,
se embalançando...
Como se o morto
fosse a ninar.
E aves noturnas
tecendo agoiros,
sobre o cortejo,
cheias de espanto,
rasgam mortalhas
negras pelo ar.

E ao triste apelo
que os homens lançam,
de vez em quando,
nas horas calmas,
apenas o eco,
bruxuleante,
responde ao longe:
– ... Irmãos das Almas!

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