Tradução de Pedro Fernandes
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Sou uma senhora:
tratamento
difícil de
conseguir, em meu caso, e mais útil
para alternar com
qualquer outro título
acrescentado a meu
nome em qualquer academia.
Assim, pois, olho
meu prêmio e repito:
sou uma senhora.
Gorda ou magra
a depender da
posição dos astros,
dos ciclos
glandulares
e outros fenômenos
que não compreendo.
Loira, se escolho
uma peruca loira.
Ou morena, segunda
alternativa.
(Na verdade, meu
cabelo grisalha, grisalha.)
Sou mais ou menos
feia. Isso depende muito
da mão que aplica
a maquiagem.
Minha aparência
mudou ao longo do tempo
– embora nem tanto
como disse Weininger
que muda a aparência
do gênio. Sou medíocre.
O que, por uma
parte, me exime de inimigos
e, por outra, me
dá a devoção
de algum admirador
e a amizade
desses homens que
falam por telefone
e enviam longas
cartas de felicitação.
Que bebem
lentamente uísque sobre as pedras
e falam de
política e de literatura.
Amigas... hmmm... às
vezes, raras vezes
e em muito
pequenas doses.
Em geral, evito os
espelhos.
Digo o de sempre:
que me visto muito mal
e que faço o
ridículo
quando pretendo
flertar com alguém.
Sou mãe de
Gabriel: você já sabe, esse menino
que um dia se
tornará juiz incorruptível
e que talvez, além
disso, exerça o papel de carrasco.
Enquanto tanto o
amo.
Escrevo. Este
poema. E outros. E outros.
Falo de um lugar.
Colaboro em
revistas de minha especialidade
e um dia por
semana publico num jornal.
Vivo em frente ao
Bosque. Mas quase
nunca volto os
olhos para olhá-lo. E nunca
atravesso a rua
que me separa dele
e passeio e
respiro e acaricio
a copa rugosa das
árvores.
Sei que é
obrigatório escutar música
mas fujo dela com
frequência. Sei
que é bom ver
pintura
mas não vou nunca
às exposições
nem à estreia
teatral nem ao cineclube.
Prefiro ficar
aqui, como agora, lendo
e, se apago a luz,
pensando em rato
em musaranhos e
outras necessidades.
Sofro melhor por
costume, por herança, por não
diferenciar-me
mais de meus congêneres
que por causas
concretas.
Seria feliz se eu
soubesse como.
Isto é, se me
houvessem ensinado os gestos,
as falas, as
decorações.
Ao contrário me
ensinaram a chorar. Mas o pranto
é em mim um
mecanismo decomposto
e não choro na
câmara mortuária
nem na ocasião
sublime nem frente à catástrofe.
Choro quando
queima o arroz ou quando perco
o último recibo do
condomínio.
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