sexta-feira, 14 de agosto de 2020

AUTO-RETRATO – Rosario Castellanos

Tradução de Pedro Fernandes
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Sou uma senhora: tratamento
difícil de conseguir, em meu caso, e mais útil
para alternar com qualquer outro título
acrescentado a meu nome em qualquer academia.

Assim, pois, olho meu prêmio e repito:
sou uma senhora. Gorda ou magra
a depender da posição dos astros,
dos ciclos glandulares
e outros fenômenos que não compreendo.

Loira, se escolho uma peruca loira.
Ou morena, segunda alternativa.
(Na verdade, meu cabelo grisalha, grisalha.)

Sou mais ou menos feia. Isso depende muito
da mão que aplica a maquiagem.
Minha aparência mudou ao longo do tempo
– embora nem tanto como disse Weininger
que muda a aparência do gênio. Sou medíocre.
O que, por uma parte, me exime de inimigos
e, por outra, me dá a devoção
de algum admirador e a amizade
desses homens que falam por telefone
e enviam longas cartas de felicitação.
Que bebem lentamente uísque sobre as pedras
e falam de política e de literatura.

Amigas... hmmm... às vezes, raras vezes
e em muito pequenas doses.
Em geral, evito os espelhos.
Digo o de sempre: que me visto muito mal
e que faço o ridículo
quando pretendo flertar com alguém.

Sou mãe de Gabriel: você já sabe, esse menino
que um dia se tornará juiz incorruptível
e que talvez, além disso, exerça o papel de carrasco.
Enquanto tanto o amo.

Escrevo. Este poema. E outros. E outros.
Falo de um lugar.
Colaboro em revistas de minha especialidade
e um dia por semana publico num jornal.

Vivo em frente ao Bosque. Mas quase
nunca volto os olhos para olhá-lo. E nunca
atravesso a rua que me separa dele
e passeio e respiro e acaricio
a copa rugosa das árvores.

Sei que é obrigatório escutar música
mas fujo dela com frequência. Sei
que é bom ver pintura
mas não vou nunca às exposições
nem à estreia teatral nem ao cineclube.

Prefiro ficar aqui, como agora, lendo
e, se apago a luz, pensando em rato
em musaranhos e outras necessidades.

Sofro melhor por costume, por herança, por não
diferenciar-me mais de meus congêneres
que por causas concretas.

Seria feliz se eu soubesse como.
Isto é, se me houvessem ensinado os gestos,
as falas, as decorações.

Ao contrário me ensinaram a chorar. Mas o pranto
é em mim um mecanismo decomposto
e não choro na câmara mortuária
nem na ocasião sublime nem frente à catástrofe.

Choro quando queima o arroz ou quando perco
o último recibo do condomínio.

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