terça-feira, 16 de junho de 2020

ISOLAMENTO DOMICILIAR - Ana Cláudia Romano Ribeiro

talvez acrílico, talvez óleo, não sei
sobre tela
verdes, rosas, cor da pele
tudo desbotado e escuro
o olhar da moça pintada
delicada, destemida
único corpo humano além do meu
em quarentena
tem mãos, pescoço e flores
numa cesta
talvez o verde no fundo
tenha sido pintado por último
folhagens, bosque, capim borrado
o quadro olha para a janela
e para o espelho
ao lado dele uma porta
sair por ela e encontrar no jardim
a companhia das minhocas
ouvir ossadas antigas
a lembrança das árvores abatidas
cacos de pratos
mato, cisco, parafuso, barbante
voltar para dentro
e misturar tudo
perfumes vencidos
flor de cerejeira e alfazema
avó, irmã e mãe
sentir o cheio dos ausentes
e a dor no lóbulo da orelha furada
que fez a moça desmaiar
numa farmácia
em 1987

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