Do livro “Meio
a Meio”, de Rafael Rocha, lançado no distante ano de 1979, no hall da Casa da
Cultura, antiga Casa de Detenção do Recife.
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É meia-noite e estão tantos ao meu lado.
Muitos riem e esvaziam os copos.
Tratam de frivolidades
e não vale a pena falar do tempo.
Eu fumo meu cigarro.
Eu olho para todos. Espero...
Todos são provisórios
e em todos não haverá indestrutibilidade
É meia-noite...
Como acho amarga
essa madrugada depressiva!
Saudades de coisas nunca feitas noutros dias.
Angústia de ter sido trêmulo no perigo.
Áspero na quietude do vento.
Tentei enclausurar nas mãos a verdade
para amigar-me com os homens.
Infelizmente, a fome andava nas cercanias.
O mundo estava desordenado.
E assim que passou o tempo
eu pereci e nós perecemos
e não escapamos do poder dos patrões.
Eu podia pouco com isso.
Eu preferia não ser eu.
Penso que preferia.
Tanto porque escolhi a não violência.
A justiça e a alegria
e o sol e a paciência...
Mas era pequeno o meu limite
e quase tudo ficava tão longe...
Longe dos nossos pés desesperados
e perto de nós só a revolta
e os carrascos e a fome.
Desculpem-me vocês: eu não tive forças.
Prepararam errado o caminho da nossa realidade
e eu não pude ser o outro que tantos queriam.
Ainda quero que os objetivos pequenos
continuem na penumbra
e que todos esqueçam essas futilidades.
Eu quero todos rindo e esvaziando os copos.
Não vale mesmo a pena falar do tempo sem sol.
É mais de meia-noite...
Fumando eu espero...
Não adianta falar das nossas fraquezas
se o governo da pátria acaricia assassinos.
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