quarta-feira, 17 de junho de 2020

SAPATOS DE ARAME - Caetano Sousa Romão

tinha eu a idade de dezenove anos
quando o amor me apanhou feito uma surra
fui ao chão é o que digo

não importava tanto que tivesse
o corpo todo empolado comido
amor pra mim aos dezenove anos
era picada de borrachudo cobrindo a pele inteira
mordida de carrapato no sumo
tanto que queimaram minhas roupas no fundo do quintal
cismavam com os fósforos dizendo
infestação assim só se remedia
com querosene ou saliva

eu pelado no quarto caçando
onde é que aqueles bichos abriam caminho em mim
na virilha no sovaco na nuca
o dedo tentando suas coceiras
nem havia unguento pra me agradar tamanha febre

tinha eu a idade de dezenove anos
e fiquei arregalado no meio da noite
nauseado
antecipando remela
estreitando no colchão
já me fazia a guerra por não saber
onde decidir as mãos

eu por exemplo
tinha a idade de dezenove anos
quando o amor me infernizou de azul a paisagem
e dirão que nem era manhã
eu tinha as cuecas estendidas pra secar na janela

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