sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

A POESIA de Ruy Proença

 

O HOMEM-CARACOL

O homem-caracol
caminha pela parede do viaduto.

Sua casa invisível
guarda parcos pertences.

Aonde vai
arrasta a amnésia entre os badulaques.

Sonhos de alguma infância
cimentaram-se-lhe nos olhos.

Sua dignidade é o osso -
sua casa.

As pombas o frio
no caminho

são sua gente.
Amor? Gesto cariado

dor
que pratica em público.

É um dos poucos homens públicos
que Deus perdoa.

Se não me engano
já o teremos visto

rebarbativo - na parede de casa
num fim de tarde.
......
NOVA ORDEM

o ciclone
tenta arrancar pelos cabelos
a vegetação terrestre

os terroristas estão dormindo
há mais de 24 horas

bois nasceram com guelras
na Nova Caledônia

(voltará a primavera
voltarão as aves
as ovelhas perderão o pelame)

o relâmpago
estilhaça a abóbada celeste

a faca
talha a melancia
pelo abdômen

nada
tem piedade
de nada

(voltará a primavera
voltarão as aves
as ovelhas perderão o pelame

sim, o dia renascerá

mas já preparado
para outro envelhecimento precoce)

Nenhum comentário:

Postar um comentário