sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

POEMAS – Celso Mendes

 

INCOMPLETUDES

já tenho em minha carne
o rangido franco,
frio
e solitário
das horas
indivisíveis.

não mais
me demoro os dedos
sobre o fio da faca
na tangência
de um tempo
que não tenho,

pois que me adormece a luz
nas mãos espalmadas,
privadas de palavras
em um silêncio imortal
que se imprime absoluto.

abasteço,
recorrentemente,
a incompletude desta loucura
com teus olhos fugidios,
insistentemente sádicos

: olhos de amassar maçãs
e envenenar riachos lacrimosos.

e é quando as auroras
se transfiguram
em dias cinzentos
que me doo à chuva.

neste então me voltas,
sob a rama deste ipê,
tal um espectro
entre pétalas violáceas

a me contar
que inda existo.
......
ENTROPIA

falo num idioma que entende noites
e dialoga com estrelas

meu dizer não é meu, é do universo
pois não sou de mim ou de ninguém
fui gerado para romper fronteiras
e só agora me descobri

busco a magia escondida em cumes
e a essência do átomo

semeio e me desfaço lentamente

o risco na pele é um sinal
eu sinto
mudo a cada segundo
......
POEMA ABISSAL

gutural
este grito
aprisionado
lançado
entre o azul-perdido
que persigo
e o negro-nada
que me cala

enquanto a palavra
imersa
fria
aguarda o voo
mas se faz mergulho

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