sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

MARÍTIMA – Elmar Carvalho

 

Do mar eu trouxe
o vento que dança
em torno de meus cabelos.
Trouxe este meu cheiro
de sal, mariscos e maresia.
Vaqueiro fui e fazendeiro
de estrelas-do-mar que
subiram ao céu para formar
constelações e galáxias.
Nas pontas agudas de meus dedos
cintilam fogos-de-santelmo.
Meus olhos têm o brilho
que roubei das ardentias.
Os relâmpagos das procelas
pousaram nas minhas mãos
e nelas se aninharam.
Do ritmo do mar eu trouxe
os meus gestos e o meu jeito de falar.
Num lance de búzios
joguei minha cartada final
em que fui anjo terminal.
Do mar eu trouxe a cantiga
do vento na voz dos búzios.
Sobre o dorso de alados cavalos-marinhos
pesquei sereias malévolas que me
encantaram e depois fugiram.
No vai-e-vem das ondas
busquei o meu gesto de
posse e devolução.
Trouxe o meu beijo temperado
no salamargo de suas águas.
Trouxe tesouros sepultos
nas covas do coração.
Com o mar aprendi meu modo
de caravelo: meus dedos
são filamentos que machucam
sem querer, que ferem
sem ter por quê.
Trouxe caracóis que se (con)fundiram
com os caminhos labirínticos que trilhei.
Louros, nunca os tive,
exceto algas em meus cabelos.
Arrebatado por navios fantasmas
conheci várias e inefáveis dimensões.
Nadei contra as correntes marinhas,
mas a elas cansado me entreguei,
despojado da púrpura e do cetro
com que havia lutado.
Trouxe do mar as conchas ilusórias
- multiformes e multicores -
com que minha vida enfeitei.
Mas sobretudo trouxe a vida
na alegria das chegadas
e na tristeza das despedidas.

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