terça-feira, 14 de outubro de 2014

A invenção do amor - Ângelo Monteiro

I
Os padres e os poetas inventaram o amor
para exorcizar o ocaso de Deus
e mascarar (entre espelhos) o vazio do mundo.
A castidade é uma forma de ultrapassá-lo.
A poesia faz do ser a sua vítima.
A religião é do amor chama ressuscitada.
Ai! o verdadeiro amor é patético e triste,
além das acrobacias do cotidiano.
Uma vez inventado o absurdo do amor,
tentou-se vivê-lo sob as asas das formas:
em pretensa harmonia ou em feroz combate.
Mas restou como jogo ou sofrer que - inventado -
só existe no poema, na canção e na prece:
quando muito chegando a incendiar a carne,
e refluir depois àqueles que o inventaram:
os poetas e os padres.
II
Nenhum amor vale a alma que o vive:
(que de si mesma é a ponte solta sobre o abismo)
a nutrir-se do seu próprio combustível
que a torna ao mesmo tempo ansiosa e terrível.
Ai! o pequeno amor, ai! o amor pobre e louco:
quando a vida é tão grande, o seu anseio é pouco.
Amor de distração, amor de fácil engano
que apenas em um dia quer colher um ano.
Ai! amor, velho corvo, ó pomba na esperança
de nos afugentar da vida e sua herança.
Ai! amor, pobre ator de um pobre picadeiro
nasci antes de ti. Ante a ti sou primeiro!
Cresceste em nosso invento. E à vida nos apraz
ultrapassar o amor e violar a paz.

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