sexta-feira, 3 de setembro de 2021

70 METROS – Jorge Elias Neto

 

Na perspectiva da ponte
O pássaro solitário não volta.
..........
Bom sentar aqui…
Gera um desvio do olhar;
um torcicolo súbito
diante da emanação do absurdo.
Ver do alto a evolução das águas:
sem o murmúrio
do bocejo das ondas,
sem o grito ruidoso do
rasgar do mar.
Imagino os que trafegam às minhas costas…
Nas gaiolas de metal,
guardam as intenções dos gestos.
Que assim fiquem - distantes!
Cada despedida vale pela nudez dos corpos;
o íntimo dos olhos.
E o momento não pede tal intimidade…
(A Penha ergue-se sobre todas as coisas…)
Minha mãe guardou meus cachos de anjo,
cortados,
abençoados…
Mas os anjos são lívidos
demais para serem humanos…

(A eternidade é uma metáfora que já não me ilude.)

Lá embaixo,
no Oceano de pedra,
reside o fim da angústia essencial.
Desmantela-se a Lei suprema.
(Que homem ruidoso medrou minha carne?)
A busca do indefinido.
Muito me interessam os fósseis,
desimpregnados de nomes…
As palavras curtas;
o anzol justo na boca da morte.
Nesse beiral, ancoram-se cruzes,
destroem-se firmamentos.
Sacia-se a fome de ossos
dos Oceanos.
Uma grande composição nua de gestos.
Eis a porção relativa da insignificância
humana.

Mas, por ora,
contenha as lágrimas, leitor.
Não se trata da vida do poeta.
Por mais que insista,
a vida é mais irônica
que minhas palavras.

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