segunda-feira, 27 de setembro de 2021

MEMÓRIA LÍQUIDA – Lilian Maial

 

O conforto das águas vem da
memória uterina:
aconchego e silêncio.
Como o mar,
calmaria e medo,
envolvente e assustador.
Tenho essa atração pela água.
O sangue, a saliva, o suor.
Sangrar traz esse poder
das águas e das marés.
Nascimento e morte.
Líquido amniótico e putrilagem.
Nascemos na água e, na morte, liquefação.
A água escorre pela testa, nos dias quentes,
se insinua pelo corpo, no banho e na chuva,
encharca de prazer.
Lembrança atávica,
as águas me banham como aos ancestrais:
levam o que perdi,
trazem o que não pedi,
redimem, remexem, refluem.
Sou água, sangue e suor.
Chovo pelos olhos, pelas bocas
Invado, derrubo barreiras, escoo.
Sangro por natureza, germino,
paro em carmin e suor,
mulher líquida.
Por vezes,
acordo tempestades e veemências,
deixo o vendaval arrastar desgostos.
Brinco na água, que me acaricia indolente.
Evaporo dores.
Placento-me.

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