sexta-feira, 24 de setembro de 2021

ENTREVISTA COM O POETA/ESCRITOR RAFAEL ROCHA

“Há poetas que manejam bisturis e traçam cortes precisos na carne e outros que manejam foices e martelos e dilaceram, estraçalham, despedaçam, num misto de desespero – porque acham que tudo está perdido – e de ânsia de sobrevivência, pois desconfiam não haver nada além desta vida. Rafael Rocha pertence a esta última categoria. Como Manuel Bandeira, ele está farto do lirismo comedido. Do lirismo bem comportado. Do lirismo funcionário público com livro de ponto, expediente, protocolo e manifestações de apreço”.
Assim o jornalista Evaldo Costa definiu o poeta e escritor, quando da apresentação do livro “Loucura”, lançado no ano de 2018, também classificando o autor como um poeta inventivo e libertário. Já o músico, poeta e luthier Edward Spinoza, afirmou que Rafael “liberta as palavras das obrigações exigidas pela sintaxe tradicional, consolidando um ‘rompimento’ simbólico com os estilos literários e paradigmas de criação antigos, tornando-se um heroico, estiloso, atrevido e primoroso escritor destes novos tempos”.
Rafael Rocha ainda que seja libertário e atrevido, fugindo dos paradigmas acadêmicos da criação literária, mesmo assim foi agraciado diversas vezes por acadêmicos. Seu livro de contos “O Espelho da Alma Janela” recebeu da Academia Pernambucana de Letras, o prêmio Leda Carvalho, no ano de 1989. Antes, em 1986, já tinha sido premiado com Menção Honrosa pela Academia de Letras e Artes de Araguari (MG) pelo seu conto “Grãos de Terra Sobre”. Também em 1989, cinco de seus contos foram premiados pela Fundarpe – Fundação de Cultura do Estado de Pernambuco, sendo lançados numa antologia intitulada “Novos Ficcionistas Pernambucanos”. Seu conto “Inácio da Diná” premiado nesse concurso, atravessou as fronteiras de Pernambuco para o Brasil, e terminou gerando debates, tema de mestrado e discussões nos ambientes escolares universitários e do ensino fundamental.
Mas o escritor/poeta – que também é jornalista – não ficou apenas nessas premiações. No ano de 2011 novamente terminou laureado pela Academia Pernambucana de Letras, dessa vez com Menção Honrosa, prêmio Vânia Souto Carvalho, pelo seu romance “Olhos Abertos para a Morte” e, em 2020, foi agraciado com outra Menção Honrosa pela Academia de Letras, Ciência e Artes de Ponte Nova (MG) – ALEPON - no Concurso Literário Prêmio Professor Mário Clímaco, por seu poema “Tempos Sombrios”.
Uma definição perfeita sobre quem é realmente o escritor/poeta está na palavra da escritora paulista Divina de Jesus Scarpim: “Rafael é o poeta personagem humano e exposto na dor, na fragilidade, nas dúvidas e nas contradições que fazem o caos organizado e o egocentrismo de amar”. Outra definição veio do escritor Valdeci Ferraz, amigo pessoal do poeta, quando disse que “sendo a arte uma forma de fazer política, seja do eu sozinho ou do estar no mundo, os escritos de Rafael transcendem o tempo e emolduram visceralmente a angústia do homem na sua dimensão social”. Na entrevista a seguir, Rafael Rocha fala sobre sua vida, formação cultural, influências, preferências e sobre a literatura de hoje. 
 
ATEOP – Fale um pouco de sua vida: onde nasceu, onde estudou, sua formação profissional.
RAFAEL – Nasci em Olinda/Pernambuco, na casa de meus avós paternos, na Praça Dantas Barreto, bairro do Carmo, no dia 1º de outubro de 1949, às 14 horas, mas fui registrado em cartório do Recife. Sou o primeiro dos cinco filhos de Irene de Almeida Rocha (prendas domésticas) e Ivanildo Lins Rocha (caixeiro/viajante). Comecei a ler excepcionalmente aos 5 anos e fiz o curso primário na Escola São José. Cursei o ginasial no Ginásio Princesa Isabel (três anos) e o último ano no Ginásio Wanderley Filho. Concluí o curso científico no Colégio Independência. Todos esses educandários eram localizados na cidade do Recife. Prestei vestibular no ano de 1970 sendo aprovado para o curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Pernambuco, mas troquei esse curso pelo de Geografia, na mesma UFPE. Trabalhei como comerciário, iniciando com 18 anos como faturista na loja Comercial Lemos Ltda, na Rua do Hospício, no Recife, antes de ingressar na universidade. Tive de abandonar os estudos na UFPE devido à situação financeira da família e trabalhei na Brasilgás (faturista) e no Banco Econômico (carteira de cobrança). No ano de 1976 prestei novo vestibular, agora pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e dessa vez para Jornalismo, concluindo o curso em 1982. A seguir, comecei a carreira de jornalista, primeiro como auxiliar de assessor de imprensa na Secretaria estadual dos Transportes, e depois no “Diario de Pernambuco” (repórter, copidesque, redator), onde terminei por me aposentar no ano de 2014. Também passei pelo “Jornal do Commercio do Recife” (estagiário), “Editora Comunicarte” (revisor), e pela “Companhia Editora de Pernambuco” (CEPE), como analista de comunicação.

ATEOP – Como descobriu a vocação literária e com quantos anos publicou seu primeiro livro?
RAFAEL – Eu comecei a escrever bastante cedo, apesar de muitos dos primeiros escritos terem aquela ingenuidade comum de menino sonhador. Esses primeiros escritos queimei todos até quando escrevi os poemas escolhidos para sair em livro. Um livro artesanal, simples, escrito nos anos 1970. Tudo poesias, mas tive de diminuir o número de páginas porque o financiador (meu irmão caçula Rômulo) não tinha muito dinheiro para investir. Assim das 250 poesias que já tinha escrito escolhi 37 para o livro que se chamou “Meio a Meio” (51 páginas), com a capa sendo desenhada por Marcus Antônio da Silva, amigo poeta e colega da turma de jornalismo. Ainda ia fazer 30 anos quando publiquei esse livro.

ATEOP – Disserte sobre suas leituras, sua formação literária.
RAFAEL – A partir dos meus 6 anos comecei a gostar de ler, mas foi na idade de 8 anos que o amor pela leitura solidificou-se dentro de mim, tornando-se praticamente um vício. Na casa de meus avós maternos eu me entregava à leitura de muitos livros, sem discriminar nenhum. Li de cabo a rabo a coleção “Tesouro da Juventude”, os livros do “Readers Digest” de meu avô materno, misturando a isso os romances de amor colecionados por minhas tias. Na casa do meu avô paterno conheci uma prima vítima da pólio que adorava ler. O nome dela era Ivone e por ela fui encaminhado aos livros mais “pesados” para um garoto da minha idade, como “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “Vinte Mil Léguas Submarinas” (Jules Verne), “O Morro dos Ventos Uivantes”, “O Monte dos Vendavais” (Emily Brontë). “O Homem que Ri”, “Os Miseráveis”, “Notre Dame de Paris” (Victor Hugo), “A Mulher de Trinta Anos”, “Pai Goriot”, “Ilusões Perdidas” (Balzac), “A Guerra do Fogo” (J. H. Rosny Aîné). Meu pai também ajudava, ainda que tentasse esconder de mim os livros e revistas que ele achava inadequados para minha idade, no entanto eu consegui ler as revistas cheias de contos policiais como “X-9”, toda a coleção de “O Coyote”, muitos livros de Agatha Christie, a biografia do assassino Caryl Chessman (“Cela 2455-Corredor da Morte”, “A Face Cruel da Justiça”), quase toda a coleção de ficção científica de Perry Rhodan, os gibis de “Os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, sem falar na coleção “Titãs”, isso nos primórdios de minha formação, já que a partir dos 14 anos de idade mergulhei de vez nos clássicos “Guerra e Paz”, “Anna Karenina”, “A Divina Comédia”, “A Ilíada e a Odisseia”, e em autores como Fiodor Dostoiévski, Leon Tolstoi, Franz Kafka, Stendhal (“O Vermelho e o Negro”, “A Cartuxa de Parma”), William Shakespeare (“Romeu e Julieta”, “Hamlet”, “Rei Lear”, “Macbeth”). Na verdade, era tão eclético na leitura que misturava e deglutia tudo que aparecia como livro ou revista. Se for citar os nomes por aqui não vai ter espaço.

ATEOP – Quais os escritores e poetas que mais o influenciaram?
RAFAEL – Não sei se fui influenciado por poetas brasileiros ou estrangeiros. Deixo isso para meus leitores descobrirem, ainda que alguns amigos digam que como escritor possuo influências de Jorge Amado e Gabriel García Márquez, e que como poeta fui influenciado por Augusto dos Anjos, Pablo Neruda, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Carlos Pena Filho, Vinicius de Morais, Fernando Pessoa, Charles Baudelaire e Charles Bukowski. Porém, só li estes após meus 17 anos. A poesia me alcançou depois dos meus 15 anos, através de poetas brasileiros antigos como Vicente de Carvalho, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens, do lusitano Luiz de Camões, e outros.

ATEOP – Defina seu estilo.
RAFAEL – Gosto de ser realista e contundente. Detesto eufemismos e literatura religiosa e piegas.

ATEOP – Por que a sua obra não é muito aceita? Por que a crítica não capta o sentido de seu trabalho?
RAFAEL – Sei lá. Acho que sou “odiado” pelas “igrejinhas”, pelos academicistas radicais e por aqueles que amam seguir regras. E não estou nem aí pra isso. Nunca me preocupei com a crítica.

ATEOP – Como você vê o panorama literário do Brasil em termos da ficção e da poesia?
RAFAEL – O Brasil é um país repleto de bons escritores e poetas, mas precisa sair da pré-história literária. Um exemplo disso é que até hoje não ganhamos um Prêmio Nobel de Literatura. Falta de sorte? Falta de oportunidade? Nada disso! Apenas que muitos continuam a escrever movidos pelo medo de pecar contra um deus e de ir morar no inferno após a morte, ou temerosos de magoar os poderosos de plantão. Os autores brasileiros permanecem ligados a eufemismos e a dogmas e não saem das mesmices. Seguem sempre as velhas regras. Eles precisam revolucionar a literatura se pretendem alcançar um patamar de Prêmio Nobel. Ainda assim, existiram alguns “um tanto revolucionários” como Guimarães Rosa, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, mas nenhum escritor brasileiro antigo ou atual chega aos pés de um Miguel de Cervantes, James Joyce, Guy de Maupassant, Blasco Ibáñez, George Orwell, Aldous Huxley, Gabriela Mistral, Gabriel García Márquez, José Saramago, Jorge Luís Borges, Ray Bradbury, Federico García Lorca, Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway, Bertrand Russell, Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Octavio Paz, Mario Vargas Llosa, Patrick Modiano, Peter Handke, Louise Gluck e outros.

ATEOP – Quem você considera hoje como um escritor de primeira linha em nível nacional e internacional?
RAFAEL – Do Exterior considero Carlos Ruiz Zafón, Mia Couto, Markus Zusak, José Eduardo Agualusa, Chimamanda Ngozi Adichie, e do Brasil posso citar João Ubaldo Ribeiro, que muito me agradou com os seus “O Sorriso do Lagarto” e “Viva o Povo Brasileiro”, bem como admiro bastante algumas obras do escritor pernambucano Raimundo Carrero com os seus “As Sombrias Ruínas da Alma” e “A Dupla Face do Baralho”.

ATEOP – Quantos livros já lançou? Quais são os seus planos para o futuro?
RAFAEL – Até hoje, setembro de 2021, já lancei 23 livros entre romances, contos e poesias. Não faço planos para o futuro. Meus planos são de ontem. O futuro não existe.

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