sábado, 25 de setembro de 2021

CANÇÕES EM TERRA ESTRANHA – Edmir Domingues

 

Junto dos rios nossos pés fendidos,
flores de murchas pétalas de sono,
e as mãos, as mãos de barro, desmanchadas
nas corolas das lágrimas presentes;
nós, sem canções, que as últimas ficaram
nas terras da distância e da alegria,
presas no vento norte que não sopra
nestas terras de sangue e cativeiro.

– Os nossos pés são pedras, sabes?, mortas
pelas águas de meses e semanas,
nossas mãos como vidro, e em consequência
já cânticos não somos, que há perigo
de que alhures e irremediavelmente
partam-se presto ao trêmulo das cordas.

E havia de salgueiros, nossas harpas
todas singularmente penduradas
neles que em pé restavam, beira-rio,
e nós já não de pé, faltando tudo.
A que floresçam logo, se tem força
a seiva de silêncio que os rodeia,
que nós não temos voz, se longe somos,
que nós não temos voz, entre a lembrança,
que nós não temos voz, se não nos falam
as vozes de Sião.

Às bocas podres
só nos dão de pedidos que é costume
que deem os que não têm aos que têm tudo.
E pedem-nos canções que não podemos
canções de nossa terra em terra estranha.
Hoje somos silêncio, a boca muda,
o olhar sem voo, o cérebro sem passo,
se nos levam cativos não nos dando
pedaço que em direito nos cabia:
mas pedem-nos canções, canções daquelas
dos tempos de Sião terra distante
pátria que os ventos bons trazem por longe
desta terra de sangue e cativeiro.

Em Sião era o amor. 0 tempo vinha
de gosto como tâmaras maduras,
era a noite de estrela, o rio calmo,
a carícia da espiga amadurando,
tanto havia de messe e vinho amigo
e mosto fermentando nos lagares,
que era olhar como luz, de fino e leve,
que eram leves, na praça, os instrumentos.

Diferente de tudo alheia terra
não sabe a nós com gosto do que nosso
nem de fruto e bebida espirituosa.
Se nos pedem canções nós não daremos
por mais queiramos dar. O canto nasce
como a semente brota e o vento venta.

– Não sopra o vento bom, soar não podem
as canções do Senhor em terra estranha.

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