terça-feira, 26 de abril de 2022

CEFALEIA DE TENSÃO – Daniel Belmonte

 

O paraíso é feito de baratas voadoras
afinal se Deus existe
depois que a gente morre
onde estarão todos os mosquitos
que eu matei?

Zumbido constante na orelha
dizem que é coisa de quem tem cinquenta
sessenta
mas uma vida de fones de ouvido
já me faz não reconhecer a qualidade do silêncio.

Fecho os olhos pro zumbido eterno
na verdade morre-se muito de olho aberto
olho esbugalhado
para alguém vir fechar e dar um ar de serenidade.

Aspecto lívido e perene
assim se define um cadáver
num poema ruim.

Gente diante de mim
Meu avô João em casa
Um corpo atropelado em frente ao Clube do Flamengo
Cico Caseira no palco do Tablado
assim define um cadáver
num poema sincero.

No elevador Excelsior
pit-stop drink eterno
gosto de fel que há de me acompanhar
um menino que humilhei na escola
Antes sex on the beach fosse meu purgatório

Piso numa nuvem
ali no último andar
Encontro família
Encontro amigos
Encontro meus ídolos
Encontro inimigos
Encontro baratas
Encontro mosquitos
Encontro mulheres que já desejei
Encontro pessoas que já odiei
Encontro minhas vergonhas
Fala-se muito em perdão
Pra não macular nossa perene lividez
nossa gente diante de gente
Com tanto ressentimento

Melancolia
sensação de que tudo tem fim
Náusea da alma
palpável ao espírito
É Drummond quem diz
que Deus devia carregar em si uma grande tristeza
Artistas são deuses
que criam mundos e pessoas
Deus é como Lars Von Trier
Criou um mundo de gente
para assistir terminar
Criou um mundo de gente
Para viver o espetáculo da angústia
Showtime.

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