sexta-feira, 22 de abril de 2022

PARTO – Carla Torrini

 

Eu hoje gerei a solidão
em forma de uma criança chamada tristeza…
Eu a pari com ternura
e ela me presenteou com a dor…

Carreguei-a nas entranhas
e sussurrei palavras singelas
que a fizesse adormecer
e acalentasse os seus sonhos…

E a criança quieta
foi crescendo e absorvendo
os tormentos da minha alma
e descosturando a teia da razão…

Pari na eternidade
a criança da dor
que escorre suas lágrimas
no batismo da redenção…

Ela cresceu nos pregos
entalados na garganta da cruz
e hoje reza aos céus
sua estadia nos infernos…

A criança gerada
na angústia da trilha
buscadora de si
e andarilha do outro…

Mendiga do perdão
amante da punição
concubina do coração
e prostituta da emoção…

A criança anda pelos labirintos
calcando suas entregas
pelos caminhos do calvário
que respiram seus espinhos…

E ela se infla de escárnio
e faz amor com a frieza
da aspereza da saudade
que a pisoteia nas tempestades…

Pobre criança faminta!
Sua busca não tem fim!
Gerada na pestilência do acalanto
e mergulhada na orgia da fragrância…

Hoje encontra-se só
No meio do vendaval…
Nascida da solidão
no parto da ternura…

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