domingo, 17 de abril de 2022

ÀS DUAS DA MANHÃ - Iatamyra Rocha

 

Às duas da manhã
ave suspensa
noite vã
o gato mia a utopia
de ter sete vidas
e nenhum zelo enquanto outros dormem
duvida até do próprio salto
uniforme a porta trancada
às duas da manhã
o gato mia
não há de ser nada
sua cantiga desesperada
sobe na cama
entrelaça o lençol
até a altura do nariz
as duas da manhã
não há de ser nada
o gato riscando a madrugada
com giz de sol
o miado vem mais alto
estridente
já são três da manhã
e o gato mia indiferente à lua
relógio inverso
o sono vai em pedaços
lençol indigesto
cobre e mumifica
o gesto de espanto
três da manhã
o gato mia
e não é santo
arranha a porta do quarto
joga sapatos pro alto
morde e puxa o pé
a fé das coisas persiste
cobrindo as orelhas
pelo eriçado
feito o gato
safado
são quatro da manhã
passou um furacão no quarto
o gato mia alto
quase um orgasmo de fato
calço os sapatos de raiva
o gato me fez assim
miado insistente
o gato cheira a jasmim
enquanto uso
saco plástico e detergente
descrente com o que o quarto virou
aterra toda fedentina
chega de miado
olho pro lado
o gato eriçado
corre pra janela
abro a porta
ele saí apressado
olhar de quem diz
quase consegui
volto pra cama
não há mais miado
quatro e meia da manhã
pássaro canta
galo bate asas
quase cinco
é claro em toda casa
nada do gato
agora desvirginando o jardim
colhendo seus orvalhos
olhos desconfiados de mim
o gato julga até de longe
eu aqui fazendo esse poema
tentando dormir
enquanto o cão pede pra sair
são cinco horas
cinco horas
cinco horas...

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