domingo, 7 de novembro de 2021

O XICO - Valter Guerreiro

 

Estou lúcido entre paredes lisas
E salva-me o buraco por onde olho o mundo
O mundo é pouco mais que a minha rua
Prodigiosamente simples e bela
De tão pobre e nua
Torrada do sol, despedrada e com os restos de um poste
Um poste tão esquálido como o Xico que abana o rabo
Sempre que me vê espreitar pelo buraco
Ele abanaria o rabo para toda a gente
Se houvesse gente na minha rua
Mas na minha rua somos três
O poste, o Xico e eu
E como me enternecem os olhos luminosos do Xico
E me enterneceriam os olhos do Xico se fosse cego
E de olhar baço
Eu gosto dele e do poste de qualquer maneira
Somos os três sobreviventes de uma rua deserta
Onde tudo está no nada que os três somos
E quando o sol bate no poste, no Xico e no onírico buraco
Donde elevado à mais alta potência do amor os espreito
O mundo todo fica estreito
Que é cama natural
Em que me deito
E a vida lá fora declina tão prosaica e breve
E tão largo de ternura
Que amo acima da vida aquele buraco estreito
E tudo o resto é literatura!

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