quinta-feira, 11 de novembro de 2021

TRÊS POEMAS – Ronaldo Costa Fernandes

 

O TEMPO

O tempo e sua matéria
a máquina dos meus humores
tão rica e mineral
enquanto lá for
a sonata dos desatinos
orquestra o boi que se estende no varal.

O tempo e sua miséria,
deus negro que não encontra o sono.

O tempo e sua morfologia
feita de nada e de tudo
como alguém que anda
com os calcanhares para a frente.

O tempo e sua bílis negra,
atrabiliário e perverso,
monstro do Loch Ness,
ó profundeza feita de vazio.

O tempo e sua caixa de música
o lugar dos sons prisioneiro,
o que se escuta é o silêncio das horas
lambendo o ar rarefeito.

O tempo — animal que não envelhece,
nós é que passamos por ele
como alguém que acena de um ônibus
para a imobilidade saudosa
de um bar à beira da estrada.
........
INDÚSTRIA DO AMARGO

A indústria do amargo desassossego,
a patente do medo, a geringonça

movendo as vísceras dentadas,
a fábrica de desacertos mostra o intestino,

manufatura de mercadoria e dejeto,
o lodo e o pêndulo como destino.

Eis o lodo, barro inútil para fazer gente,
massa fecunda para fabricar o desengano.

Agora a outra prensa do nada:
o pêndulo: que é o mesmo e seu avesso,
ora num lugar, ora em outro,
sem nunca sair de onde está;

preso de si, são dois em um,
um que se faz de dois,
para iludir a salmoura da matéria.
..........
A IMAGINAÇÃO DOS BASTARDOS

Como serão os anjos na velhice?
Aqui onde a queda é ascensão
não duvido da existência
do hálito de Deus.
Somos as raízes mortas
cheirando a ferro,
respirando o incenso do monóxido de carbono.
As putas recolhem entre as pernas
a espécie sutil de réptil
seco da Johntex:
o pânico feito de elástico, músculo e noite.

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