domingo, 21 de novembro de 2021

QUANDO MINHA FILHA FICAVA NUA PARA SEU MARIDO – Celso de Alencar

 

Era como se não fosse
a minha filha.
Era como se fosse uma putinha
uma putinha jovem
da casa da velha Edith Gronder.
Mas era a minha filha
nua para seu marido,
com pétalas amarelas
escorrendo pelos braços.
Os besouros pretos brigavam
chocando-se, provocando sons
de panelas inoxidáveis
contra panelas inoxidáveis.
Pequeníssimas borboletas vermelhas
pousavam sobre as peças
íntimas de minha filha
que se encontravam jogadas
sobre a cômoda e a cadeira.
De fora vinha o rugido assustador do vento
e o canto dos velhos cortadores de madeira
e ainda o som do choro das éguas famintas
e de seus filhotes que desmaiavam ruidosamente
quando começava a noite
como se fossem grandes pássaros enlouquecidos.
E lá estava minha filha
nua para seu marido.
Uma dança ela inicia.
Um passo curto
um longo
e outros passos surgiram.
Muitos outros.
E tudo se tornou tão rápido.
Súbita euforia, surpreendente, estranha.
Um leve tremor de pernas.
Um barulho de botas de caçadores de veado
batendo fortemente no chão.
E uma cobra sob o som
de uma pequena flauta de bambu
subia e descia como uma dança
como se acompanhasse minha filha.
As borboletas levantaram-se
como se saíssem de um sono profundo
e iniciaram um voo desordenado
e jogaram sobre o assoalho
uma poeira colorida deixando
marrom e azul o fogo das velas
que iluminavam o quarto.
E minha filha dançava, dançava
com sua sombra projetada na parede
enquanto seu marido
desnorteado inteiramente
sentado sobre as próprias mãos
a via rodopiando, rodopiando,
como um redemoinho,
sumindo, sumindo,
e os cachorros latindo
dentro do quarto
abrindo a grande penumbra da noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário