quinta-feira, 11 de novembro de 2021

POEMAS – Salgado Maranhão

 

LAMBIDAS

as orquídeas que você
guardou em mim
viraram pasto de colibris,
viraram línguas enamoradas,
hospedaria de estrelas,
as lambidas que você deixou em mim,
marcaram mais que as dentadas,
beijinhos após o lanche
trepadas com chantilly.
o que há de grandioso
em tudo isso
é o que não se desgasta
com o tempo,
nem com a erosão da dor,
nem mesmo com o pulso aberto
em goles de tinta viva.
o que há de valioso
nisso tudo,
só se inflam e ferve
com a vida exposta
em plataformas de beleza e fogo,
com a boca triunfando em gargalhadas.
...............
SENTENÇA

faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.

por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.
.............
OS COMPANHEIROS

deixa eu fazer um parêntese,
pode alguém querer
tomar um cafezinho
enquanto eu conto uma piada:

falaram que os companheiros
comiam do mesmo grude,
lambiam a caçarola
cheirando o sexo de esmola,
tremiam no mesmo frio
da mesma noite assassina,
gemiam no mesmo açoite
da mesma nau da chacina,
falaram que um companheiro
esfaqueou o amigo do peito
e foi lavar as mãos
no botequim da esquina.
mas não vamos entrar em detalhes
de crimes passionais,
eu cá por dentro de mim
já trago uma dor tão grande
que nem cabe nos jornais,
e tenho plena certeza
que na casa dos amigos
os fuzis após o lanche
esperam a hora do arroto.

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