quarta-feira, 24 de novembro de 2021

REFLEXÃO – Melchisedec Borré

 

Não quero que perturbes meu silêncio,
Meu sóbrio meditar no fim do dia.
Se a livre solidão é quem me guia,
Não venhas despertar meu sono inculto.

E as aves da manhã me rendem culto,
Na justa impaciência de quem vive,
E sobrevive à dor, eu nunca tive,
A placidez de límpidos olhares;

Do beija-flor os últimos cantares;
De primavera os últimos botões.
Não venhas silenciar minhas canções,
A minha dor, meu pão de cada dia.

Não quero tão somente que sorrias,
Enquanto ouvir meus versos da janela.
Me dê do teu jardim, a flor mais bela,
E, de Florbela os últimos sonetos.

Procuro me esquecer se sou discreto,
No meu jeito singelo de compor.
Tal qual a rosa anseia o beija-flor,
Conforme o tempo passa, mais te quero.

Ainda que faleça, hoje te espero,
Oculto nos castelos incolores,
Que construí no ar de mil condores,
Aberto para o céu de mil estrelas.

Somente de manhã, consigo tê-las,
Que à noite são de todos, são de tolos,
Que olham-nas sem ver, buscam consolo,
Sem ter toda a grandeza do infinito.

Guardar no meu saber, tudo o que fito,
Fazer maior em mim, tudo o que sinto.
O meu vulcão há muito tempo extinto,
Num coração que dorme em negra teia.

Com a alma a transbordar em minhas veias,
Nas ondas deste mar, o corpo imerso,
Enquanto paro e olho a lua cheia,
Não quero que perturbes o meu verso.

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