segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

CANTO-NAVALHA – Felipe Garcia de Medeiros

 

Rasga-mortalha,
ouço-a
e não consigo escrever um verso
sobre o seu canto-navalha.

Estridula, pia, pragueja, urra –
não preciso
a
melodia, os raios da sua ranhura.

“Não perdeu a poesia”
o poeta me diz
e eu sei
um notebook é um notebook
e uma paisagem plana
faz girar o fluxo
do
território,

o canto da Rasga-mortalha me estranha

não tenho mais que relatos da sua fatalidade.

Um dia dois – talvez mais,
não existe poema em mim,
explicável?
“Tanto faz”
ninguém sabe
vejo filmes ou leio alguma coisa
é difícil
imaginar um poeta sem uma carta na manga

(ou um mágico sem truques,
as morenas/as rimas/o batuque).

Comprei o Robert Burns
e só encontrei canções
do meio dia
com
árvores e cotovias
e, no mais,
um estribilho

“ah, que tempos passados,
amigos, os que se passam”.

No desastroso silêncio do açoite,
enceno atritos
no
escuro
(corre no ar
infinitos
pios
vorazes nos vales da noite)

estrelas caem
e a Rasga-mortalha me desfigura em gritos.

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