sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

TRÊS POEMAS – Antônio Brasileiro Borges

 

SONETO DO AMOR PROFANO

Não me consinta o amor tanta alegria,
pois, por não merecê-la, me constrange
o peito (já uma dor, não longe, me
sussurra que este amor sem agonias
não há de consentir em tanta graça),
eis que, perdidamente, já pressinto
– e quando, e quando – que em amor perdidos
todos os lances, não há como obtê-lo
de outro modo que não por sacrifícios
e eis que este, pois, gratuita dádiva,
me chega às mãos de um modo tão profano,
de quase sempre estou de que, se o tenho,
já não o tenho por justo e dadivoso,
mas por amor que é fruto só do engano.

E não me engana o amor quando enganoso.
......
QUE DEUS GUARDE MEU PAI

Não passar. Ficar para semente.

Não era isto que meu pai queria?
Sentava-se na rede e adormecia
julgando ter domado a dama ausente.

E sonhava talvez. Talvez menino
montando burros bravos, nu, ao vento;
um homem é a sua ação sobre o destino.

Meu pai então fazia um movimento
e a rede, a adormecer, estremecia:
pequenos sustos no tempo, era só isto.

E escancarava os olhos duramente
para mostrar que se Ela o procurava
era de cara a cara que A encarava.

Que Deus guarde meu pai. Eternamente.
.....
CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.

E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros
um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.

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