quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

SONETOS GÊMEOS – Jorge de Lima

 

Se me vires inúmero, através
deste poema, entre as coisas e as criaturas,
como se eu próprio fosse o que outrem é,
dissipado nas páginas impuras,

arrebatado pelo próprio poema,
possesso, surpreendido, fragmentado,
travestido de herói ou de réu, em
quase todos os versos degredado,

negarás, meu irmão, a alma que vive
perdida na ansiedade de si mesma
sonhando a paz, querendo a paz; a paz

mas nas tormentas em que a paz revive
mas nos tormentos em que a paz se lesma
e se intumesce. Eu enlouqueço! Mas

até na álgida paz da insânia Deus
me busca para ser o seu convulsivo
a amado filho em torno de quem crês
morar a paz que Ele destina viva

a todo aquele que lhe faz perguntas.
Eis as respostas nessas vozes gêmeas,
deblaterando sobre o teu defunto,
sobre teu louco, sobre o teu recente

corpo hoje inda nascido e já julgado
e já descido, e já movido nesses
campos da morte, sob os passos, pássaros,

aos ventos indo, sob as noites gastas,
passos sobre as caliças, sob os gessos,
sob as bocas sem choro, em seus nadas.

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