sexta-feira, 18 de março de 2022

CINCO SONETOS de Bráulio de Abreu

 

LUAR

Neste instante é silêncio. É noite. É sombra em tudo.
A lua vai nascer, trazendo a luz que enleva.
E morre a noite, e morre a sombra, e morre a treva.
E, de morrer, também, eu não me desiludo.

Veio a lua trazendo o esplêndido veludo
De sua própria luz que é perene e longeva
Formando um mundo branco ao qual logo me leva,
Fazendo-me ficar todo envolvido e mudo.

É o meu deslumbramento. E, com tudo eu me encanto,
Quando me faz sentir, sem sorriso e sem pranto
A Beleza na terra e a Beleza no mar.

Tudo é noite, afinal, até que chegue o dia,
Quando eu sentir, do mesmo, a luz que se irradia,
Fazendo-me perder este mundo de luar.
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SONETO DO AMOR SEM MEDO

Melhor é ter o amor dentro do peito,
Do que guardar o coração vazio.
Amar a musa, dela ser o eleito,
Esse é o mais amoroso desafio.

O ciúme não tem voz, neste conceito:
Vive calado num qualquer desvio.
Ao amor não resiste o preconceito;
Ele vai a seu fim sem extravio.

Nada de fuga, nada de abandono...
Viver verão, inverno, primavera,
Até chegar seu derradeiro outono.

Esta é a vida feliz do amor sem medo:
A tudo enfrenta, não se desespera,
Mostrando ao mundo que não tem segredo.
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VIDA QUE PASSA

Estão guardadas minhas esperanças
No cofre da existência demorada.
Meus olhos não têm mais luz de alvorada
Minhas noites são cheias de lembranças.

Minhas horas se vão frias e mansas,
Meus minutos se vão em retirada.
Meus segundos em lenta caminhada
Mostram as minhas físicas mudanças.

Longe ou perto do fim de meu caminho,
Não sei se estou. Mas guardo, com carinho,
Versos que Deus me dá – bondade imensa –.

Eu vivo em sombra e luz meu dia-a-dia...
Mas, meu lugar, no mundo da poesia,
É, para mim, divina recompensa.
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MEUS VERSOS E EU

Os meus versos são pobres como eu sou
Não tiveram a mínima riqueza;
Eles têm de minha alma a singeleza
Com que Deus, para sempre me premiou.

Eles vivem comigo onde eu estou
Dentro de nossa singular pobreza,
Mas eu não sinto a mínima tristeza,
A descaso e abandono eu não me dou.

Poeta à margem do tempo só porque
Não consigo fazer verso moderno
Que eu leio e o modernista o meu não lê.

Mas a vida esclarece a solução:
É que a verdade diz que nada é eterno
Que nós iremos para o mesmo chão.
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COISAS DE ONTEM

Não pude ouvir o som do Stradivarius,
Nem do Essenfeld lá de minha casa,
Pois tenho em meus ouvidos de Beethoven,
A Nona Sinfonia do silêncio.

Então busquei poetar: Tempo perdido...
O Fernando Pessoa estava doente,
Bandeira ia em rumo de Pasárgada,
Vinicius é a canção na alma do povo.

Nada de “Leite Crioulo” e de “Antropófagos”,
De “Samba” e de “Arco e Flecha”. O Cassiano
E o Bopp onde é que estão, Carvalho Filho?

Ó Godofredo, irmão no canto novo,
Reza à Santa Cecília e a São Sosígenes...
Carlos Drummond de Andrade te abençoa.

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