terça-feira, 1 de março de 2022

DOIS POEMAS de Aglaya Souza

 

GOTA DE BARRO

Criação. Criar do nada -
do quase nada -, do barro.
Esbarro nas palavras,
criando barreiras,
barrancas, barragens,
diques, comportas estanques,
tanques, água, limo, barro.
Esbarro outra vez na terra.
Molhada. Pingada. Suada.
Um pingo que cai. Uma gota de barro.
Criada. Sem forma. Só som.
Da queda. No barro.
..................................
CANTARIA

Estou indo bem mais velha:
Maranhão me envelheceu.

Suas ruas, suas casas,
onde o passado ainda mora,
criaram raízes, lianas,
azulejaram as paredes,
ruíram caibros e tetos,
musgos nasceram nos becos.

Estou levando comigo
Maranhão feito em pedaços.

Suas pedras, suas portas,
seus licores, suas frutas,
camarões, peixes enormes,
a fala mansa, sem pressa,
os livros (tantos poetas!),
seus rios cheirando a mar.

Estou indo assim saudosa
do tempo do Maranhão.

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