terça-feira, 29 de março de 2022

DOIS POEMAS de Jefferson Dias

 

SURDEZ

Através da guilhotina
Molhei minha mão de fantasma
Na chuva das chuvas.
Minha mãe anunciou os mortos
E eu corri com os bosques pesados nos olhos.
Quantas casas deve um homem destruir
Até que se torne um menino?
Bati minha cabeça violenta
Repetidamente contra o emparedamento

Das veias magnéticas do poente
Até que o sangue jorrasse pelos meus ouvidos e a morte
Tocasse os meus ombros calcinados.
Não houve alfabeto inclinado na carne
Que suportasse o gume dos relógios

Com outras lâminas por cima.
A mulher com cabeça de hipopótamo
Trepanava o grito do jequitibá-rosa.

Através da guilhotina
Molhei minha teimosia, meus ossos de cavalo podre,
Meu desejo de cadáver andante.

(A estátua branca sorriu
E o mundo emudeceu afinal.)
...........................
O TORNIQUETE

Pedem-me que eu seja mais claro;
Mas se o vento tão aberto – 500 km/h! –
Espanca os míticos labirintos da visão
E se o noturno útero enreda a via férrea
Por onde passa a diurna cabeça de tigre,
Por que deveria eu estrangular
A imagem – pura sanguinolência elétrica,
Já um nódulo destrutivo na retidão do corpo –,
Por que deveria eu entregar-me
A um infenso utilitarismo?

Afio minha voz criminosamente,
De modo a poder me tornar, afinal,
Uma besta impossível.

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