segunda-feira, 28 de março de 2022

TRÊS POEMAS de Ana Vis

 

GABRIEL EM VERMELHO

corre no corredor.
A poesia de Hilda trama a visão
escorpiões a fiarem o muro, sim
como paredes altas
e o corpo longo
tecidos
em mosaico sanguíneo
manchas de vinho
as palavras inebriam
Lucius,
onde você estava
quando vinha do orquidário?
Verti vinte anos atrás
nessa conversa secreta:
‘não olha com as mãos’
Mudaram o tempo de lugar
mas reconheço ainda
o doce quente escorrendo
pras pombas da esquina.
Assistir aos trens
sem muro
como quando era menina.
......................
ELEITO LEITOR

Se estamos –
nós íntimos – sozinhos
te abrindo,
exponho cartas
na nossa cara cansada
à cara oculta.

Tudo que não escolhi
saindo pelo seu corpo
lábio lexo
lendo lento

no limite nós.
Nos espera a morte.
Lhe amarro a língua pela lateral da minha.
.................................
UM OLHO NAS GATAS

Uma senhora de costas
se despede e procura
a imagem de sua amiga
saindo pelo vagão.
Vi o vago da memória
e os bruscos buracos
abertos
por baixo da terra.
Os olhos de Clarice correm por túneis escuros,
com paradas, com retornos
variações repetidas,
esqueceremos onde estamos,
quem somos,
dando voltas nos bastidores
esperando a próxima notícia de morte.

Não haverá portas nesse caminho de toupeiras,
apenas escadas.

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