sexta-feira, 4 de março de 2022

DOIS POEMAS de Manoel Carlos Gonçalves de Almeida

 

NATUREZA-MORTA

O vaso sobre a mesa.
Quantas limitações em seu contorno.
No entanto livre foi e já conteve
a experiência das mãos em sua argila.
Livre foi sob pés - livres os pés,
água, barro, travessia. Dura matéria
sem profecia do seu frágil destino.
Mas como recebê-lo em meu convívio
se hoje é vaso e repousa sobre a mesa,
made in Japan selando seus desígnios?
Melhor fora encontrá-lo quando, gesso,
pretendeu ser adorno seu gerente,
pois ensinado teria - mais que forma -
a aspiração à forma. E isto é tudo.
.......................
PRIMEIRO

O mais foi anjo ou essência de sê-lo
ou vago esbarro entre cal e vapor.
Tato de espuma e caldo em seu desvelo,
retrato de uma nuvem em seu furor.

O mais, antes de mim, atado ao pelo
da emoção. Caça ao anjo viajor
em seu cardume. Segue em seu andor
dentro de mim: anúncio, placa, selo.

Peixe mais do que pássaro. Içado e morto.
Estilizado em signo de março,
gerado de um perfil amargo e torto.

Desordem neste trauma em que me esgarço.
Vício de anjo, solidão de morto,
navio que já em si ancora um porto.

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