quinta-feira, 3 de março de 2022

POEMAS de Celso Japiassu

 

DIZER

O que vejo não verás tão cedo
nesta terra de dor
e séculos de sangue.

Virás depois de mim,
dirás algo de poesia
que a infância resguardou.

Dirás aos que virão depois de ti
o quanto vimos nos portais
onde estivemos prisioneiros.

Os outros saberão
quem na selva escura
era inimigo.

Onde a morte e a vida
se enlaçavam
em mesma dor constituídas.

E que amor era palavra sem sentido,
guardada na morada dos vermes,
mantida nas estantes.
.............................
EZRA, LOUCO

Ezra, numa jaula como um bicho,
silencioso e com o olhar dos loucos,
não pôde exorcizar suas idéias.
Comeu fezes misturadas à urina,
balbuciou o som de uma poesia,
engoliu saliva e pensamento.

O próprio pensamento, uma comida.
Julgando-se lúcido como um deus
e perdido para sempre em desespero
como um homem se perde e se constrói.
A nos mostrar quanto é dúbia a natureza,
como silêncio e grito se confundem.

Em sua cama, em seus chinelos,
no seu pijama sujo, nos ossos
sob a pele branca e machucada,
reflexões na bruma da loucura,
investigações no fundo das palavras
que permanecerão desconhecidas.

Vaiada, imunda, dilacerada alma
dos poetas fugitivos da poesia.
Não entendeu por que sangrava
nem de morte ou solidão.
As palavras, sim, compreendia:
a sua força, tumulto, imensidão.

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