domingo, 27 de março de 2022

NÃO ABRA A CAIXA – Sandra Boveto

 

onde está a realidade?
não, ela não está aqui
lacrada nesta caixa

sou o tal gato vivo-morto
superposição quântica
velada
indefinida
estou morta
e estou viva
ao observador sou tudo
e nada

não abra a caixa

o tempo?
ora, o tempo...
não o tenho aqui
agora
também não está lá fora
não o entendo
ele fixa
mas não é fixo
contínuo, é peremptório
muda e registra
faz muda e mata
é branco e marca
mancha e limpa
sua marcha é lenta
ainda assim, a nódoa fica

não, não abra a caixa

cicatrizes
invencíveis
as piores se mostram e revelam
o que só a morte cessa
depois dele
do tempo
depois de muito dele
vejo que não é o tempo
mas os vermes
que apagam as cicatrizes
iguarias
que o tempo serve aos vermes
ela vivem além do você
eles não sobrevivem ao tempo
sim, os vermes
o tempo devora
com seus estigmas corroídos

não abra a caixa

engane-se

por um tempo
não faz mal
ao tempo mal nenhum se faz

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