quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

DOIS POEMAS - Jorge Canese

 

Tradução de Adalberto Müller
...............
EU

Eu sou o que sou. O que é. O que sempre foi.
O que ainda às vezes não é, e continua a ser.

Sou aquele em quem cachorros cuspiram.
O que mendigou o carinho nas poças.
O que não soube o que fazer quando tinha a verdade nas mãos.
O que acabou fodido desde o princípio.
O que aumentou a tormenta; à toa e sem fundamento.

Eu sou o que procurou ser algo mais que eu mesmo.
Sou o idiota que se desespera quando lhe negam
um sorriso ou um gole de vinho.
Sou o que nunca soube amar como se deve.
Sou o infeliz que mexe e remexe o miolo das coisas.
Sou o que às vezes se sente só quando está com amigos.
Sou o que quer ser santo quando beija alguém
e o que se sente mártir quando o Espírito
Santo diz que só lhe concederá uma audiência
em 20 anos,
ou quando dizem simplesmente que não, porque
já é tarde.
......
A CALAR

Aprendi a calar,
a sorrir
quando era absolutamente necessário,
a correr, a não sentir,
a amar sem que se note,
a comer sem prazer,
a esquecer logo,
a viver só,
a pensar nos demais
para não pensar em si mesmo
e a rezar para não despertar,
porque, às vezes,
(ainda apesar de tudo)
surge um desejo de viver
e o monstro segue firme
ao nosso lado
mesmo se resta apenas o remédio de esquecer
e recorrer à oração,
ao maratonismo e ao silêncio
para continuar fugindo e temendo,
para não pensar
que outro dia
as coisas podem ser de outra maneira.

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