sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

TRÊS SONETOS – Valter da Rosa Borges

 

NOIVADO FÚNEBRE

Negra tristeza o meu semblante encova.
Oh noiva minha, oh lírio meu fanado!...
Por que não vamos na mudez da cova
Em círios celebrar nosso noivado?

Nos sete palmos desse leito amado,
Ao frio bom de uma volúpia nova
Embalará o nosso amor gelado
O coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos, gélidos, inermes,
Em demorados e famintos beijos
Serão depois roídos pelos vermes ;

E do leito final, que nos encerra,
Em plantas brotarão nossos desejos,
E nosso amor em flores sobre a terra.
....
OS BRINQUEDOS

E me fiz fabricante de brinquedos.
Então usei as tintas coloridas
Das emoções talvez desconhecidas,
Dando aparência e cor aos meus segredos.

Depois eu fabriquei bonecos raros,
Vestidos das mais ricas fantasias,
Bordadas de ilusões, bonecos caros,
Feitos na forma dos felizes dias.

Também fiz uns brinquedos esquisitos,
Outros feios até, sem forma e cor,
Feitos mais íntimos conflitos.

E embebidos que fui nestes folguedos,
Convenci-me, por fim, que era inventor
E me fiz fabricante de brinquedos.
....
SONETO DA TARDE

A tarde era um desejo cor de rosa
E as horas transcorriam nos teus braços.
Tinhas no corpo os indecisos traços
Da tarde que murchava langorosa.

Vinhas, por certo, errante, dos espaços,
Sem presença na tarde luminosa.
Somente luz de ocaso, vaporosa,
Sem o calor de febre dos mormaços.

Vazia estava a sala e então teus dedos
Tocaram no piano uma saudade,
A mais doce canção dos teus segredos.

Foi quando te entendi. A noite vinha.
Tu ficaste nas luzes da cidade.
Já que morreste em sombras na tardinha.

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